A vista da cidade era esmagadora, mesmo debaixo da luz plúmea do céu do meio dia.
Tínhamos passado a noite anterior entre o cansaço e a novidade, a olhar um para o outro, a testar desejos e alegrias, a ensaiar o auto dos nylons de inverno, ainda sem percebermos que também era a madrugada a enfunar velas nas primeiras notas da barca dos amantes.
Nos alvores da primeira manhã, o cansaço tornou-se maior que as palavras. Como se fosse o corpo a habitá-lo e, ao invés do que é costume, isso o tornasse invisível.
Saímos a correr depois de nos termos demorado nas horas. Havia pressa porque uma grande refeição deve ser preparada com detalhe, começada com tempo, garantindo ementas, detalhes, descrições e assentos.
Porque seríamos quatro a jantar era preciso assegurar que as cadeiras estariam na mesa, mesmo que a refeição só viesse a ser feita algum tempo depois.
Ainda antes de escolher a comida, é preciso escolher as pessoas, verdadeiramente são elas a razão da ementa e do prazer.
Mas assim como há vidas que se começam pelo telhado, também pode acontecer que um jantar se comece pelo chá.
Ainda antes de as cadeiras se tornarem cabeceiras – que é o que acontece quando as mesas são quadradas – e os convidados começassem a chegar (encanto-me a pensar quem serão esses primeiros que connosco partilharão um brinde), sentaste-me ao teu lado junto com a história da paisagem.
Tinha todos os condimentos de Film noir – uma garrafa de champanhe morno, uma viagem ao norte da ilha do fim do mundo, um inglês indeciso, uma fobia de portadas e um vendedor da Remax. Só faltava mesmo uns toalheiros de madeira.
Perguntaste se eu gostava de verde Macha e eu disse logo que sim e em frente à biblioteca das tuas imagens proibidas abriste o teu coração —Eu já só era olhos para te ouvir contar a história que te trazia até mim.
Cada vez mais próximos, tocámo-nos quando me perguntaste se alguma vez eu te viria visitar.
Por cima dos livros, nos telhados da cidade, a luz do céu desenhava no horizonte esse presságio – agora já em contornos muito definidos. Não sei se percebeste que sorri de felicidade quando enxuguei as tuas lágrimas.
Foi nesse instante que senti que tinha chegado a casa.

